2010-03-29

Pés de Charlot

Uma vez chamei a atenção para o diferente funcionamento entre os dois pulmões e para a sensação de resistência encontrada pelo pulmão direito junto do diafragma. O objectivo não era uma aula de anatomia ou fisiologia, mas antes abrir caminhos para a tomada de consciência do corpo, pela observação e auto-conhecimento.
Como diz Guruji Iyengar, temos de partir do conhecido (o corpo) para o desconhecido. Quando me perguntaram, extra aula, porque acontecia isto, respondi que o pulmão direito é maior que o esquerdo e na inspiração o diafragma "esbarra" com o fígado, pelo que aparece a tal resistência. Tive a sensação de que a resposta tinha sido considerada demasiado simples, sem preencher os parâmetros de um alto raciocínio!
Mais tarde, ao ler na última revista do RIMYI, um artigo da neta de Guruji, percebi. Abhi revê e analisa algumas das suas experiências de aprendizagem com Guruji, e conta numa delas:
Estava a praticar posturas para trás e percebeu que o sacro estava como que bloqueado; sempre com atenção a este detalhe, continuou a sua rotina de posturas para trás, procurando trabalhar o sacro; Guruji viu-a e disse-lhe que o sacro não se estava a mover de todo; e o que lhe disse foi para praticar posturas de pé, para trás, contra o tresler (cavalo), com pés de Charlot - calcanhares juntos e dedos afastados! Isto é contra tudo aquilo que aprendemos para as posturas para trás! Abhi ficou surpreendida, teve medo, sentiu-se insegura, interrogou-se sobre se iria magoar as costas ou até o próprio sacro. A memória trouxe-lhe todas as dúvidas. Mas ao mesmo tempo, era Guruji quem lhe estava a dar estas instruções, pelo que nem dúvida se punha. Assim, com um misto de emoções e receios, não resistiu a perguntar-lhe como era possivel posturas para trás com pés de Charlot? Guruji sorriu e respondeu: "Desta forma o teu sacro responde melhor, move-se". Esta explicação tão simples, deixou-a desconcertada.
E é aqui que eu quero chegar - Abhi confessa que, se a resposta fosse complicada, ter-se-ia sentido feliz e satisfeita. Adoraria se Guruji tivesse dito que, mantendo esta posição dos pés, se trabalha melhor nos tornozelos, ou tíbias, dando origem à rotação dos glúteos, que assim activam o movimento do sacro. Aquela resposta tão simples, diz Abhi, "fez-me sentir pequena". O ego não gostou. Será que apenas a complexidade satisfaz os nossos processos de pensamento e inteligência?
Ficam as interrogações......
(Yoga Rahasya, 17.1.2010)